Elas formam a 5ª maior população mundial de mulheres sem liberdade

Em 2014, o número de mulheres presas no Brasil era menor somente do que em outros cinco países: Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia, de acordo com a “World Female Imprisonment List” e conforme publicou o Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Desde 2005, a população prisional feminina no país aumentou cerca de 11% ao ano.

É preciso sensibilidade e ação para evitar uma escalada indesejável no ranking e construir um outro cenário para o país. A solução é olhar para o desencarceramento como uma possibilidade real.

Das quase 34 mil brasileiras encarceradas, mais da metade esteve envolvida com questões relacionadas ao comércio de drogas. Apenas no estado de São Paulo, entre 2006 e 2012, o número de mulheres privadas de liberdade sob essa acusação quase quintuplicou, fazendo desse motivo o responsável por 78% de todos os casos de conflito com a justiça em 2015.

Elas não são chefes do tráfico

 

Sim, elas sabem, desde o início, que ao escolher adentrar o mundo ilegal podem ser criminalizadas – e que serão, se forem alcançadas pela polícia. Mas muitas vezes a criminalização das atividades desempenhadas pelas mulheres não leva em conta que elas têm a pior remuneração dentro do comércio de drogas e parece ignorar que existe uma incontestável assimetria de gêneros. As desigualdades entre homens e mulheres observadas no mercado de trabalho são ainda mais acentuadas no mercado ilegal.

Ao serem julgadas pelo envolvimento com o tráfico, elas são duramente penalizadas por pequenas atividades, como transporte de drogas. E não raramente apresentam discursos parecidos quando indagadas sobre o porquê de terem enveredado por tal caminho. Seus relatos mostram que o objetivo era obter remuneração para cuidar do lar e arcar com compromissos relacionados à família, principalmente aos filhos, quando não viam expectativas na economia formal. Algumas afirmam, inclusive, que desenvolviam outras atividades remuneradas, muitas vezes informais, mas sem qualquer relação com o crime – em paralelo ao envolvimento no comércio ilegal, mas que não alcançavam o necessário para suprir as demandas da casa e dos seus dependentes.

As mulheres não são chefes do tráfico. São chefes, quase sempre, de família.

 

Raquel: ela teve acesso a medidas alternativas

 

Todas elas estão em situação de vulnerabilidade

Há também mulheres presas por crimes que envolvem violência? Sim, embora o número de mulheres presas por homicídio no Brasil não passe de 6% do total, segundo aponta o Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Mas isso justifica que sejam expostas a situações de violência física e maus-tratos? Não, obviamente. Nenhuma presa ou preso deveria passar por situações que são recorrentes, como se lê, ouve e se tem notícia diariamente no Brasil. Independentemente do crime tentado ou consumado, o fato é que as mulheres estão em situação de vulnerabilidade diante do Judiciário brasileiro.

As condições de encarceramento no Brasil estão distantes do que se possa chamar de aceitável. Os relatos de ofensas à sexualidade, ao corpo, à moral das mulheres são extensos e presentes em todo o Brasil. Abusos sexuais também estão sempre no contexto das prisões quando são elas as personagens de um sistema carcerário negligente. Esse é mais um reflexo da desigualdade de gênero. Mas vale lembrar novamente: não são todas as classes sociais, nem todas as raças, que são submetidas à humilhação constante e à violência cotidiana, expostas à falta de cuidados básicos (inclusive quando gestantes ou lactantes). As mulheres são, em sua maioria, negras ou pardas, são aquelas que não passaram do Ensino Médio, são de baixa renda. São, portanto, as mais vulneráveis no retrato da sociedade brasileira.

Gênero, gênero, gênero

Não há dúvida de que o encarceramento no Brasil é violador para homens e mulheres. Porém, há uma questão de gênero urgente a ser avaliada e revista. Desconsiderá-la, sobretudo diante do perfil predominante que se tem das mulheres presas, é assumir uma posição de descompromisso com a justiça social.

Além dos relatos das presas, não faltam dados que confirmam que existe assimetria de gênero em todos os momentos do encarceramento.

Para se ter mais um exemplo de como isso acontece na prática, a pesquisa do Projeto Tecer Justiça, realizada pelo ITTC e pela Pastoral Carcerária, concluiu que a espera média entre a prisão em flagrante e a primeira audiência de instrução, debates e julgamento é de 109 dias para homens e de 136 dias para mulheres.

 

Abandonadas

O julgamento de uma sociedade predominantemente machista sobre uma mulher presa é cruel. Não há outro termo. A transição da mulher-mãe para a mulher-criminosa tem um ônus alto para as penalizadas. O discurso que reforça a exclusão é reproduzido por juízas, juízes, familiares, funcionários e funcionárias das prisões, e uma das consequências sentidas por elas é o abandono, mesmo antes da sentença.

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Dados do Projeto “Mulheres Encarceradas” da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, estado com a maior população prisional feminina do Brasil, mostram que – diferente dos presos homens, que frequentemente recebem visitas – a maior parte das mulheres relata não ter recebido nenhuma visita de seus familiares e amigos.

A prisão é um rompimento de laços familiares.

Mais de 70% das mães declararam não receber visitas de seus filhos, e a perda do vínculo reforça ainda a vulnerabilidade da família da presa. Sem a mãe exercendo algum tipo de trabalho remunerado, a família perde renda.

 

O abandono é a realidade de mães, solteiras e casadas, como também mostram dados da Defensoria Pública. As mulheres casadas tendem a não receber visitas de seus maridos ou companheiros, o que corrobora com a visão de que as mulheres presas se desviaram do seu “papel como esposa”.

 

 

A mulher encarcerada no Brasil enfrenta todos os problemas de um sistema carcerário negligente, mas enfrenta também uma forte discriminação por ser mulher e por não estar inserida num contexto de privilégios de classe. É como pagar uma pena pelo seu gênero, pela sua cor e pela sua classe social.

 

Para saber mais sobre a realidade do encarceramento feminino, confira:
Depoimentos de mulheres entrevistadas pelo ITTC
Para conhecer mais aspectos da seletividade do sistema, confira:
Mulheres e Tráfico de Drogas: uma sentença tripla
Mãe, esposa, vagabunda: O estima das mulheres encarceradas
Programa Conexão Futura: Mulheres encarceradas
Maternidade no cárcere:
Pesquisa “Dar à luz na sombra”.